Rita Foelker
Ver crianças passando por necessidades, seja em fotos do Afeganistão ou sob a
marquise de um prédio a três quarteirões de casa, é sempre triste. E é quando nos
perguntamos: o que se pode realmente fazer, enquanto cidadão e enquanto espírita?
São muitas as ações espíritas voltadas à infância e à juventude sem recursos,
moradora das sub-habitações urbanas, subnutrida, sem escola e sem família estruturada,
grande parte já trilhando os caminhos tortuosos da delinqüência.
Mas um fato observável, sobretudo nos grandes centros, é que o tipo de trabalho
social comumente desenvolvido pelas entidades supre apenas necessidades imediatas
e cria uma dependência viciosa das famílias com respeito às doações. Centros espíritas
se estabeleceram, há vinte ou trinta anos, próximos à favela, e a favela só faz
crescer!! Doa-se roupa, comida e material de construção, mas a pobreza nunca deixa
de existir.
E as crianças nascem e crescem neste ambiente, também vão à casa espírita para
receber. Mesmo as que nunca comparecem à “Evangelização” surgem do nada, quando
é Páscoa ou Dia da Criança, esperando ganhar... “O que é que a gente vai ganhar?”
– perguntam. Isto significa que nosso modelo vem fazendo mais estragos do que se
supunha, já está passando de pai para filho.
E este seria o momento de nós nos perguntarmos como espíritas: o que é que estamos
fazendo? Para que estamos trabalhando? Como estamos educando?
Não basta ajudar. É preciso saber ajudar.
Primeiro, conscientizar-se de que não há vítimas ou coitadinhos neste mundo.
Todos vivemos um processo evolutivo e buscamos condições de aprimoramento espiritual.
Socialmente, a vida nos coloca em várias posições, dependendo da lição que devemos
aprender, mas todos estamos aqui para aprendê-la.
Os pobres não são vítimas da injustiça social, porque não existe injustiça social,
mas necessidade e merecimento individuais. Será que recebemos estas criaturas na
casa como Espíritos em processos difíceis de aprendizagem? Ou como criaturas “carentes”,
incapazes de melhorar de vida e saírem da miséria, a quem oferecemos doações por
tempo indeterminado? Até que ponto se trabalha para que eles, muito embora necessitem
de donativos em situações emergenciais, passem a prover seu próprio sustento, assim
que estejam devidamente capacitados ou empregados?
A esmola que muitas vezes se dá e que se chama de caridade, ou humilha, ou cria
“sem-vergonhas”. E as crianças, mesmo as menores, já estão vivendo esta realidade,
enquanto a casa espírita trabalha em prol de gerações de dependentes, e o mundo
não se torna nem um pouco melhor com isto.
É claro que os pequenos trazem carências mais sutis, ligadas à ausência de estímulos,
de vínculos afetivos firmes e de atenção emocional, que não podem ser desprezadas
nem resolvidas com café com leite e que pedem ações imediatas.
Não, não tenho soluções. Quanto aos adultos, entendo que a casa espírita deveria
ocupar-se daqueles que realmente desejam progredir, que se integram a algum tipo
de treinamento profissional, que querem melhorar de vida, ou que buscam um conforto
espiritual e o conhecimento das leis da vida, para se reerguerem.
Para todos os outros, as portas da instituição permanecem abertas, assim que
decidirem investir no próprio aprimoramento.
Às crianças, que se ofereçam oportunidades e afeto verdadeiro, atenção individualizada
na medida do possível, mas deixando claro que, por mais que as amemos, não cuidaremos
delas pelo resto de suas vidas, assim como não fazemos com os nossos próprios filhos.
Cuidado com promessas que não poderão ser cumpridas. Precisaremos oferecer-lhes
condições de desenvolver a auto-estima e a auto-responsabilidade, sem responsabilizar
pais ou sociedade pelo que quer que lhes venha a acontecer de desagradável, no futuro,
mas a si mesmas já que contam com seu livre-arbítrio. Poderemos ajudá-las a desenvolver
o amor ao trabalho, o desejo de aprender, ensiná-las a estabelecer objetivos de
vida e a buscá-los.
Muitas pessoas, que implantam obras sociais ou que se inscrevem como voluntárias
da assistência, fazem o melhor que sabem, acreditam fazer o bem. Mas é preciso verificar
se este é um bem real ou ilusório, se está melhorando de fato a vida das pessoas
assistidas e ajudando-as a progredir ou a permanecerem estacionadas no comodismo.
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