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Ela pode ser invisível aos olhos humanos.Mas não aos olhos da sua consciência







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domingo, 18 de novembro de 2012

O NASCIMENTO DA UMBANDA







O surgimento da Umbanda ainda mobiliza diversas discussões que envolvem a questão das origens, um campo muito fértil para reflexões sobre um fenômeno que representa a legitimação de movimento religioso. É a busca de um início para compor a história de um movimento que tenta estabelecer um espaço na sociedade, e necessita de uma espécie de “memória” para se materializar – um “movimento histórico fundador” segundo Rohde (2009). Este movimento fundador precisa representar, perante a sociedade, uma relevância funcional, constituir-se em um bem social de mérito como produto de transformações ocorridas no contexto social e cultural. Falar de nascimento remete à abordagem de um evento que necessita de um tempo e espaço bem delimitados; precisa-se mostrar o espaço físico, o espaço geográfico, o espaço identitário, o tempo cronológico e o tempo mítico para o movimento religioso. Para a Umbanda, tanto estudiosos quanto adeptos sempre procuraram descrever estas variáveis. Pudemos observar que a história das origens, psicografada por Robson Pinheiro em seus romances, adere a uma das linhas de interpretação acadêmica. Precisamente, adere a uma linha que preenche os requisitos acima referidos pois, para dar concretude a uma

RECIIS – R. Eletr. de Com. Inf. Inov. Saúde. Rio de Janeiro, v.4, n.3, p.51-62, Set., 2010



memória, deve-se encontrar o movimento histórico fundador. A visão processual que evita apontar origem precisa e datada não preencheria as necessidades da construção da marca identitária.


Como podemos perceber nas colocações abaixo citadas, os romances espíritas analisados trazem várias afirmações sobre o processo histórico de fundação da Umbanda, corroborando o chamado “mito de origem” (ROHDE, 2009) relatado em estudos de pesquisadores dessa religião afro-brasileira. O autor acolhe e celebra Zélio de Morais como “pai fundador”, Niterói como o lugar de nascimento e 1908 como a fase da “pré-história” da verdadeira Umbanda, na qual o mentor por excelência é o Caboclo das Sete Encruzilhadas.


Um dia, quando Zélio estava no meio de um de seus ”ataques”, a família já completamente apavorada resolve procurar o centro espírita, como último recurso. Era a Federação Kardecista de Niterói. Ali chegaram com o rapaz no dia 15 de novembro de 1908, e quem os recebeu foi exatamente o presidente, o Sr. José de Souza. (PINHEIRO, 2004)


- [...] sou o Caboclo das Sete Encruzilhadas, pois para mim não existem caminhos fechados. Venho trazer a umbanda, uma religião que harmonizará as famílias, unirá os corações, falará aos simples e que há de perdurar até o final dos séculos. [...] A nova religião virá, e não tardará o tempo em que ela falará aos corações mais simples e numa linguagem despida de preconceito. Entre o povo do morro, das favelas, das ruas e dos guetos, será entoada uma cantiga nova. O povo receberá de seus ancestrais o ensinamento espiritual em forma de parábolas simples, diretamente da boca de pais-velhos e caboclos. (PINHEIRO, 2004)


E nascia assim o comprometimento de Zélio de Moraes com a aumbandhã ou, simplesmente umbanda. Uma religião tipicamente brasileira, considerando-se o tipo psicológico com o qual se apresentam as entidades veneráveis que fizeram da umbanda uma fonte de luz e sabedoria para as pessoas que se sintonizam com suas verdades. (PINHEIRO, 2004)


A necessidade de uma demarcação histórica do nascimento de uma nova religião vem acompanhada da reposição de explicabilidade do Espiritismo Kardecista. A relevância da nova religião acompanha os ensinamentos do processo de ação e reação, e se constitui como uma maneira para resgatar ou regenerar pessoas que, durante os processos reencarnatórios anteriores, se deixaram levar pelos excessos no campo do materialismo e dos comportamentos pouco apreciados pela moralidade, especialmente no que se refere à produção da chamada “magia negra”.


A magia negra deveria ser combatida e seus efeitos destrutivos haveriam de ser desmanchados de maneira a transformar os próprios centros de atividades dos cultos degradantes em lugares que irradiassem o amor e a caridade, única forma de se modificar o panorama sombrio. Havia necessidade de que espíritos esclarecidos se manifestassem para realizar tal cometimento. E assim, foram se apresentando uma a uma, aquelas entidades iluminadas que haveriam de modificar suas formas perispirituais, assumindo a conformação de pretos velhos e caboclos e levariam a mensagem de caridade através da Umbanda cujo objetivo inicial seria o de desfazer a carga negativa que se abatia sobre os corações dos homens no Brasil. A Umbanda seria o elo de ligação com o Alto; penetraria aos poucos nos redutos de magia negra ou nos terreiros de Candomblé, os quais ainda se mantinham enganados quanto às leis de amor e caridade e iria transformando com as palavras de um preto velho ou as advertências do caboclo, os sentimentos das pessoas. (PINHEIRO, 1998)


Segundo esses textos, no esforço para se criar a nova religião, estabeleceram-se rituais que lhe permitiriam inserir-se entre os segmentos sociais menos abastados e menos escolarizados, exatamente aqueles que já aderiam a rituais e crenças em Orixás e em outras energias da natureza; a nova religião procuraria assim obter respaldo e aceitabilidade nestes grupos, adotando os mesmos elementos de culto. A explicação parece cristalina dentro da lógica expressa: o objetivo da formação da Umbanda explicado nestes romances espíritas seria, então, o de combater os desequilíbrios de alguns terreiros de Candomblé; foi visando esta meta que a Umbanda montou sua estrutura com rituais e mitos nos quais se observa também a crença nos Orixás. Ficam no ar algumas perguntas: a Umbanda adota os rituais e existência dos Orixás como forma de se aproximar dos adeptos das atividades de magia negra? Porque a Umbanda teria adotado os rituais de Orixás e não outras formas cristãs de manifestação de crença, já que assume um extenso sincretismo religioso? Será que esta explicação do objetivo de fundação, expressa nos romances espíritas, pode auxiliar também na interpretação do complexo sistema de elementos rituais de seus cultos, reunindo sincreticamente elementos cristãos, da macumba, do kardecismo e outros rituais?


Claro está que as respostas não podem ser buscadas apenas no conjunto de textos escritos por adeptos, sejam eles romances ou não. É inegável, porém, que a lógica do Espiritismo Kardecista, tal como entendida pelos autores, será sempre um poderoso mecanismo de explicação da realidade religiosa e social e, pelo menos até agora, não parece ter esgotado sua capacidade de dar respostas. Realmente poderíamos lembrar que o panteão umbandista organizado em linhas e falanges, nelas reserva um lugar de chefia a Almas, Santos e Orixás. Poderíamos acrescentar aqui uma outra questão de caráter socioantropológico: não seriam os espíritas, que crêem nos seus Guias ou Mentores e também nos Orixás, de fato crentes entre os quais alguns se colocaram a difícil tarefa da “codificação da Umbanda”, sem perder de vista o desejo de conciliação? Os processos de sincretismos ou de sínteses, como alguns preferem chamar, criam tantos problemas quanto resolvem. A figura dos exus é um exemplo bastante claro da dificuldade de conciliar imagens contraditórias colhidas em diferentes repertórios. Vamos nos ater à nossa proposta de leitura e análise de textos espíritas sobre a Umbanda: veremos que estes textos reservam também um espaço para discussão de sincretismo.


Nas análises que fizemos identificamos que a concepção de Umbanda nos romances se refere à chamada “Umbanda branca”. Várias das colocações dos textos confirmam esta identificação e mostram também que esta é a “Umbanda Verdadeira”. Nestes romances outras práticas ritualísticas que envolvem os Orixás, tais como as atividades do Candomblé ou as da Quimbanda, são conceituadas como desvios da Umbanda e tratadas como atividades de menor cunho evolutivo. Tanto no romance “Tambores de Angola” como em “Aruanda”, percebe-se a distinção dos diferentes umbandistas.


[...] que a Umbanda é uma religião que guarda muitos elementos ritualísticos, próprios do seu culto, utilizando-se os seus médiuns de roupas brancas como uniformes, de colares, em alguns casos, banhos de ervas, defumadores e todo um instrumental para canalizar as energias psíquicas no trabalho que realizam. (PINHEIRO, 1998)


Muitos pais-de-santo, médiuns e dirigentes de terreiro têm intentado manter o povo na ignorância, utilizando mal certos conhecimentos iniciáticos e alimentando histórias mentirosas sobre guias e orixás. (PINHEIRO, 2004)


O uso de muitas formas de trabalhos nos terreiros e barracões, que diferem inclusive no número de Orixás e tipos de Orixás chamados para atuar em cada caso, é abordado nos romances mediúnicos como desvios dos ensinamentos sagrados da Umbanda. Para fazer frente aos desvios, os romances incluem numerosas recomendações de retomada dos princípios estabelecidos na história da fundação – “mito de origem” – ou a o afastamento de tipos de atividades desenvolvidas em certos terreiros.


Os problemas que às vezes encontramos não se referem a Umbanda propriamente como religião, mas à desinformação das pessoas, ao misticismo e à falta de preparo de muitos dirigentes, o que aliás, encontramos igualmente nas casas que seguem a orientação Kardecista. (PINHEIRO, 1998)


– Este não é um templo umbandista. Os dirigentes desta tenda, não possuindo maiores esclarecimentos sobre as leis da umbanda, adotaram o nome sagrado e se autodenominam umbandistas. [...] Também se pode notar que neste terreiro os médiuns cultuam os orixás à semelhança do candomblé. Na umbanda, é diferente. Reconhecem-se apenas sete orixás, e os respeitamos como vibrações das forças da natureza. (PINHEIRO, 2004)


Urge resgatar nas tendas umbandistas os ensinamentos sagrados do Caboclo das Sete Encruzilhadas, dados no início do movimento, restaurando assim o sentido verdadeiro da caridade despretensiosa, que não compactua com a cobrança nos trabalhos umbandistas. Também é preciso estimular o conhecimento, através do estudo de livros dos mestres da umbanda, sérios e de elevado padrão, como aqueles que contêm os ensinamentos trazidos pelo venerável Matta e Silva e seus iniciados. (PINHEIRO, 2004)


Nessa perspectiva, a Umbanda vem cumprir um papel. O papel de resgate daqueles que devem ser ajudados e, por assim dizer, depurados para garantir a sua evolução espiritual – “A única maneira de transformar as atividades dos cultos degradantes, de modificar o panorama sombrio” seria, então, por intermédio de espíritos esclarecidos, entidades iluminadas, que graças ao seu desprendimento caridoso e seu amor ilimitado, embora racional e realista, se dispõe a modificar suas formas perispirituais assumindo as de pretos velhos e caboclos. É exatamente nesse sentido que dissemos acima que o surgimento da Umbanda é explicado dentro da lógica do Espiritismo.




Sobre o Sincretismo

Rohde (2009) em suas reflexões sobre a “Umbanda, uma religião que não nasceu:[...]” chega a mencionar a Umbanda como resultado de uma reordenação entre a macumba, elementos de prática indígena, valores católicos com acréscimos do kardecismo. Esta religião se organiza, portanto, da união de vários elementos de várias crenças, apresentando sempre acréscimos e transformações que perpassam pelos valores culturais de seus pais e mães de santo (VILLAS BOAS CONCONE, 2003). É dessa capacidade de síntese dos vários elementos religiosos que se realiza a prática altamente sincrética da Umbanda. É Giglio-Jacquemot (2006) que talvez melhor expresse este comportamento sincrético, quando afirmou que desde sua origem a Umbanda mostra sua “capacidade prodigiosa em ingerir e digerir materiais culturais de todo tipo e de toda proveniência”.

Os romances espíritas psicografados por Robson Pinheiro irão abordar a prática do sincretismo da Umbanda de uma forma bem clara, principalmente com relação aos santos católicos. Mas estas referências, como podemos visualizar nas expressões abaixo, trazem uma explicação do fenômeno como forma de estabelecer comunicação com seus adeptos que migraram de outras práticas religiosas, ou como forma para aceitação social e das autoridades, buscando sobreviver a possíveis pressões políticas. O sincretismo é expresso como uma estratégia de se legitimar para atingir seus objetivos de criação. Sendo assim, poderá somar práticas e rituais de outras crenças, fundindo ou reelaborando uma nova concepção de religiosidade.


[...] Como vibração e energia primordial, os orixás tal e qual guardam determinadas características que se assemelham muito às de certos santos do culto católico. Daí faz todo sentido o chamado sincretismo, aspecto muito marcante e interessante da cultura brasileira. Mas não significa que os orixás sejam tais santos, absolutamente. São princípios ativos, não encarnantes, e se porventura a umbanda utiliza imagens de santos católicos para simbolizar os orixás, é apenas a fim de estabelecer uma conexão mental entre o povo e as verdades da umbanda, através da crença popular. (PINHEIRO, 2004)

Existe outro orixá cultuado no candomblé que também é muito conhecido. Falo de Omulu, que, no sincretismo, corresponde a São Lázaro. (PINHEIRO, 2004)

[...] “É assim que, na atualidade, sobrevive nos terreiros essa fusão, que era objetivo do Alto. Adotando o sincretismo entre os orixás e os santos católicos, que há muito se desenvolvia, e o transe mediúnico assumido, que não existia nos barracões de candomblé, a umbanda foi penetrando lentamente nos redutos de magia negra. [...] Se, de todo, a pressão política ou religiosa fosse muito forte, também havia um santo qualquer no nome da casa. E que, em um país católico, com setores conservadores na sociedade, Tenda Espírita de Umbanda Nossa Senhora do Rosário soaria melhor que se o nome fosse apenas Pai Oxalá ou Caboclo Rompe-Mato. (PINHEIRO, 2004)

- A umbanda respeita a riqueza do culto afro, representado no candomblé, mas o referencial para os trabalhos umbandistas são apenas os sete principais orixás-vibração originais, que representam também os sete planos vibratórios do universo, os sete chacras e os sete corpos espirituais. (PINHEIRO, 2004)

Na perspectiva desses romances espíritas, a Umbanda traz a riqueza dos cultos afro-descendentes, acrescida de muitos outros elementos e práticas religiosas, para poder “falar a linguagem do povo”. Neste sentido assume uma abrangente compreensão do homem em seu meio, admitindo a explicabilidade do Espiritismo Kardecista e somando-a outros conceitos, inclusive de culturas orientais, como os sistemas energéticos dos chamados “chacras”.

Queremos levantar um contraponto de interesse nestas explicações: os textos acadêmicos e o discurso religioso falam com extrema frequência que a identificação, no tempo da escravidão, entre santos e deuses africanos, corresponderia ao mascaramento como uma estratégia de defesa contra os poderosos; no caso da Umbanda, tal como foi aqui apresentada, teríamos uma situação quase inversa, pois esta seria uma estratégia de conquista dos menos afortunados (espiritualmente e culturalmente falando).

Obsessão ou Encosto

Nos romances mediúnicos encontramos referência à obsessão vista de duas maneiras: iremos observar o conceito dos processos de obsessão ditos simples e os complexos (PINHEIRO, 2006). Os processos simples de obsessão foram entendidos como semelhantes à classificação de encosto para os terreiros de Umbanda e outros cultos de matriz africana. Os processos complexos de obsessão são aqueles que envolvem “o uso de tecnologias desenvolvidas no plano espiritual”, usadas para mudar o comportamento do indivíduo através da inserção de “aparelhos parasitas”, do uso de “energia magnética e ectoplásmica”. Estas inserções são sempre atribuídas ao desejo de fazer malefícios, para que “de diversas maneiras, prejudiquem os filhos encarnados”.


No que tange à constituição fisio-astral do ser humano, muitas dificuldades estão além dos processos de obsessão simples, fascinação e subjugação, apontados por Kardec e conhecidos no movimento espírita em geral. (PINHEIRO, 2004)

– Portanto, o que vemos aqui também pode ser classificado como magia, se considerarmos que, no processo de obsessão complexa, isto é, com o emprego de aparelhos parasitas, também ocorre a manipulação magnética e ectoplásmica que caracteriza a magia negra. Desse modo, pode-se afirmar que a diferença está na forma exterior, no método, pois os objetivos e princípios aqui aplicados são os mesmos. (PINHEIRO, 2004)

Em Zíbia Gasparetto os processos obsessivos são descritos sem discriminação na ordem da complexidade. Ela atribui a interferência sobre o encarnado como forma de gerar algum prejuízo ao indivíduo, até mesmo no campo de sua saúde física.


Gabriela estava pálida, sem forças, parecia um robô deixando-se conduzir sem nenhuma reação. [...] É um caso de obsessão. Vejo um casal sendo vampirizado. Ela, hipnotizada, está fora da realidade. Ele fez pacto com uma entidade perigosa para conseguir seus fins. (GASPARETTO, 2008).

Roque estava penalizado. Vislumbrara os vultos escuros de espíritos perturbadores ligados ao inesperado visitante, colados como reflexos dos seus próprios movimentos, demonstrando simbiose significativa. [...] O que acontece tem acontecido a muita gente. Espíritos, seus inimigos de encarnações passadas, que não perdoaram, hoje desejam fazer justiça com as próprias mãos, esquecidos de que a justiça pertence a Deus, que para isso estabeleceu Leis que funcionam dando a cada um segundo suas obras. (GASPARETTO, 2003).

Na proposta de cura do processo obsessivo descrito por Zíbia, as atividades de centros espiritas, estabelecendo orientação aos encarnados e desencarnados, serão efetivas para conseguir a cura. Os obsessores são vistos como espíritos de pessoas ignorantes que assumem a posição de algozes, por apresentarem desarmonias com o outro nas relações construídas em vidas passadas. Já em Robson Pinheiro, as descrições das obsessões e seus processos de cura vão além da doutrinação dos algozes e suas vítimas, pois propõe uma união das atividades de desobsessão das diversas frentes religiosas, principalmente da Umbanda e do Espiritismo Kardecista.


[...] É claro que a metodologia utilizada no movimento espírita funciona para diversos tipos de obsessão. Também não menosprezamos os procedimentos umbandistas ou esotéricos, com seus rituais sagrados, símbolos e axés. No entanto, para solucionar a problemática das pessoas afetadas pelas síndromes oriundas de obsessões complexas, como a dos aparelhos parasitas ou da repercussão vibratória de encantamentos e enfeitiçamentos realizados no passado remoto, assim como para enfrentar a ação destruidora das energias elementais, utilizadas pelos magos das trevas, a metodologia consagrada é ineficaz. (PINHEIRO, 2004)

Sobre o processo saúde-doença

A totalidade cultural engloba todo um conjunto de códigos, simbolos e práticas e, nesse terreno fértil, as representações sociais são construídas, fundamentando as relações de sentidos e permitindo a atualização dos significados a cada situação. Nossa busca de interpretação dos sistemas simbólicos espíritas deve ser orientada pelos atos (GEERTZ, 1989), ora, o terreno de atuação nos casos de saúde e doença se presta bastante bem a essa busca.

Este universo simbólico que constitui a cultura, seja de uma sociedade, seja de uma comunidade qualquer, pode trazer em seu bojo, e geralmente traz, a religiosidade como um importante instrumento capaz de dar conta da dinâmica de reorganização de si mesmo e do seu cotidiano, frente a uma condição que torna os indivíduos vítimas da desordem do mundo. Berger (1985) e Luckman, além do próprio Geertz, apontam a capacidade das religiões de resgatar o mundo dos homens do cáos pela atribuição do nomos. Buscar o ambiente religioso representa recriar significações frente aos problemas que a vida cotidiana coloca e permitir motivações para melhoria da situação rumo à explicabilidade. Uma das motivações para procura das religiões é a busca da cura de enfermidades. Muitas vezes aqueles que procuram são pessoas que passaram pelo atendimento médico clássico e não encontraram solução, mas, mais importante, não encontraram aí explicação para o sofrimento. Essa dupla entrada de busca de cura e de busca de sentido permite que haja convivência (especialmente por parte da clientela) entre medicina científica e medicina religiosa. Do ponto de vista daquele que busca alivio para si ou para outros, essas formas são complementares. De fato, as respostas da ciência não esgotam a necessidade de atribuição de sentido. No universo das religiões mediúnicas, os dois processos de cura, o profano e o sagrado, frequentemente convivem nos mesmos espaços. Nos romances trabalhados, cura do corpo e cura do espírito, debilitação do espírito e doença física são, no fundo, a mesma realidade e, dessa forma, o concurso de médicos do corpo e médicos do espírito é fundamental.

A religião, portanto, representa um despertar do indivíduo para o sagrado e pode ser produtora de significados, buscando explicações em seus fundamentos filosóficos para as desarmonias que a vida lhe impõe, sejam de ordem moral, espiritual ou material (GEERTZ, 1989). Frente a uma patologia para a qual nossa medicina tradicional não apresenta perspectivas de cura, na nossa sociedade a busca de lenitivo frequentemente se refugia no campo religioso.

Nos romances analisados, os aspectos das desordens apresentados nas vidas dos personagens são explicados pelo paradigma da reencarnação como princípio básico, seguida da vida dos espíritos em um espaço geográfico do “Além”. Mostra-se a morte como uma passagem para a vida espiritual, que é eterna, sendo a vida na terra somente um momento extremamente finito de resgates das atitudes errôneas de vidas anteriores. Nessa perspectiva, as reencarnações são oportunidades de aprendizagem, de fazer evoluir o espírito ou, dito de outro modo, as muitas vidas se apresentam como possibilidades para o processo evolutivo do ser. A doença nada mais é do que situações criadas pela relação do mundo dos espíritos no plano “Além” com os indivíduos encarnados, que se desarmonizam pela consciência dos erros cometidos ou por ação de espíritos vingativos. Nos romances analisados, psicografados por Robson Pinheiro, a perspectiva é sempre a da ação dos espíritos sobre os encarnados ou, sobre as maneiras como o orgulho, a vaidade e o egoísmo debilitam a saúde emocional e física dos homens.


- Nosso irmão é alguém que se comprometeu imensamente com as leis da vida. Abriu campo mental e entrou em sintonia com as forças destrutivas dos magos negros. Tais espíritos diabólicos provocaram o colapso do sistema nervoso de nosso irmão, que, sem conseguir opor resistência à irradiação mental dos magos das trevas, entrou em coma após apresentar quadro clínico de difícil solução para a medicina dos homens. Hoje ele está desprendido do corpo, que repousa no leito do hospital, onde se encontra internado há muitos dias. (PINHEIRO, 2004)

As atividades executadas para resgate da saúde e o processo de cura são descritos como soma das forças dos trabalhos realizados por espíritos no plano astral – espaço do Além – com as atividades desenvolvidas pela nossa medicina no espaço terreno.


Saímos do hospital, confiando o rapaz, já melhor, à equipe espiritual responsável pelo ambiente. Havia muitos casos que mereciam um atendimento especial, mas isso deixaríamos a cargo das demais equipes espirituais que ali prestavam auxílio. (PINHEIRO, 2004)

Por ora - falou Vovó Catarina - nosso protegido ficará repousando aqui, enquanto seu corpo físico permanece em coma no hospital. Amanhã, durante os trabalhos mediúnicos, veremos o que pode ser feito pelo nosso irmão. (PINHEIRO, 2004)

[...] eles conseguem sintonia com a mente invigilante de Erasmino, com seu passado e com sua insistência em manter-se nos mesmos padrões mentais de seus perseguidores. É necessário que ele desperte para a urgência da mudança íntima, elevando seu padrão vibratório, a fim de se desligar dessa influenciação daninha. E, para, isso, a Umbanda, com seus rituais e métodos próprios, será excelente instrumento de despertamento do nosso irmão. Ele encontra-se com o pensamento muito solidificado em suas próprias concepções de vida e, como você vê, não se encontra sensível aos apelos mais sutis do Espiritismo, que, no momento propício, deverá falar-lhe à razão. Ademais, a família guarda certos pendores para as manifestações de mediunidade tal como se dão na Umbanda, e convém não violentarmos os nossos irmãos.” (PINHEIRO, 1998)

O processo de cura das enfermidades pode ocorrer quando a intervenção das equipes de Umbanda se soma com as atividades dos Espíritas kardecistas e outros seres que agem no mundo astral em benefício da humanidade. Estes auxílios não são percebidos pelos encarnados que trabalham nos hospitais da terra e podem causar espanto, ou interpretação na forma de milagres.


[...] Fisicamente nosso amigo terá uma melhora, ou seja, uma resposta apreciável ao tratamento médico; porém, o perispírito dele ainda está envolvido em outro campo, criado pelas entidades do mal, que se utilizavam dele. Esse tipo de campo de força, que retém em seu interior o corpo espiritual do nosso irmão, só podemos desativar numa reunião mediúnica, o que ocorrerá amanhã. São necessárias as energias dos encarnados, associadas aos nossos recursos, a fim de destruir o campo que o envolve. Embora ainda se encontre em coma, o rapaz apresentará visível melhora do ponto de vista físico, como já dissemos. Entretanto, somente após a desestruturação do campo de retenção, na reunião mediúnica, ele acordará definitivamente. De qualquer forma, você pode reparar como a resposta atual, mesmo inexplicada, já é suficiente para animar a equipe do hospital. (PINHEIRO, 2004)

Uma enfermeira se aproximou do leito, olhou os instrumentos, mediu a pressão do rapaz e saiu rapidamente em busca de seus colegas. Vieram três médicos logo após, juntamente com mais dois enfermeiros. [...] A partir de agora, estarão ocupados desenvolvendo teorias e especulações científicas para explicar a melhora do nosso irmão. Amanhã, então, quando terminarmos o trabalho e ele acordar do coma profundo, seu caso passará para os registros como um daqueles ”milagres”, inexplicáveis pela medicina. (PINHEIRO, 2004)

As relações e os relacionamentos em sociedade envolvem aspectos de totalidade da prática cultural do grupo ao qual o indivíduo pertence. Esses aspectos englobam todo um conjunto de códigos e símbolos, de conhecimentos e saberes antigos e novos formando o repertório das representações sociais; construídas nesse terreno social e cultural, as representações estabelecem relações de sentido e fundamentam ações, sempre num movimento dialético. As representações religiosas são poderosos mecanismos construtores de sentido. A religião e a religiosidade podem oferecer, e quase sempre oferecem, um modo de compreensão da realidade que busca dar alivio aos sofrimentos. Nesta perspectiva, a explicação dos fatos da vida, no limite onde nossa ciência tradicional não consegue responder, podem ser encontrados em sistemas alternativos de resposta de caráter mágico ou religioso. A explicabilidade oferecida pelo espiritismo mostra toda a sua força quando as pessoas se veem confrontadas com o infortúnio. O entendimento e consequente melhor aceitação do infortúnio como decorrente da “lei de causa e efeito”, introduz um nível mais alto de racionalização e de auto-responsabilização moral na explicação de doenças e desgraças pessoais, podendo apresentar uma alternativa, tanto em nível pessoal quanto social, para restabelecer um bem-estar na vida. O acréscimo da abordagem da Umbanda sobre essa ótica espírita pode ser uma proposta capaz de gerar novas maneiras de relacionamentos entre os adeptos dessas religiões.

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