Paulo da Silva Neto Sobrinho
O assunto a respeito do Sudário, volta e meia, aparece na mídia. Como a sua veracidade ainda não foi comprovada, a dúvida persegue os líderes religiosos que possuem interesse específico no caso. Embora, para alguns deles, trata-se de uma peça absolutamente verdadeira, seria, conforme pensam, a mesma que envolveu o corpo de Jesus.
Essa peça de linho branco, medindo 4,30 m de comprimento por 1, 10 m de largura, é atualmente propriedade do Vaticano, que, diga-se de passagem, prudentemente não a reconhece como prova material de qualquer milagre. Deixando para a Ciência atestar ou não a sua autenticidade.
Em 1988, laboratórios internacionais nos EUA, Inglaterra e Suíça, após o teste do Carbono 14, estimaram que essa peça teria menos de 700 anos. Foi um baque para os que acreditavam na sua autenticidade. Mas, a coisa não parou por aí, pois o resultado do teste foi contestado, voltando tudo a estaca zero.
Até hoje não se tem nada em definitivo sobre a sua autenticidade, por isso esse assunto sempre está voltando ao palco dos debates. Em Set/2002, o programa “Fantástico” da Rede Globo, fez uma reportagem sobre isso e no mês de Abr/2003, foi a vez da Revista Galileu trazer novamente à discussão esse polêmico assunto.
O autor da reportagem da Galileu demonstrou um jornalismo autêntico, sem tender para lado algum, apenas forneceu as informações, para que o leitor tire suas próprias conclusões. Estamos fazendo questão de ressaltar essa atitude, pois o que normalmente se vê em reportagens é o jornalista colocar suas próprias idéias a respeito do assunto tratado, muitas vezes, sem ter uma base de dados consistentes para uma opinião crítica aceitável, agindo mais por “ouviu dizer” do que pelos fatos em si mesmos. Muitos não têm nem mesmo coragem de enfrentar as “instituições”, dizem mais o que agradam a elas, em detrimento da pura verdade.
Como normalmente somos interessados em assuntos relacionados à Bíblia, fomos pesquisar para ver o que nela poderíamos encontrar sobre isso. Foi aí que deparamos com perguntas sem respostas.
Vejam bem, os evangelistas Mateus (27,59), Marcos (15,46) e Lucas (23,52-53) relatam que José de Arimatéia comprou um lençol e com ele envolveu o corpo de Jesus. Entretanto, João (19,40) já diz que foi envolvido em panos de linho com aromas, como os judeus costumavam sepultar, dando-nos a idéia de que foram vários panos, não apenas um. Esses panos eram longas e largas tiras de linho, ou seja, eram faixas.
Ao narrar os acontecimentos do dia da ressurreição João (20,4-7) relata que os panos de linho estavam no chão e o sudário que cobria a cabeça de Jesus estava enrolado num lugar à parte. Ora, isso nos mostra que o sudário é uma peça que se usava para cobrir a cabeça do morto, não o corpo inteiro, como nos apresentam. No caso da ressurreição de Lázaro, João (11,43-44) nos informa que ele saiu do sepulcro com os pés e mãos enfaixados e com o rosto recoberto com um sudário, coincidindo, portanto, com o que realmente era.
Nosso “Aurélio” define o Sudário como: S.m.: 1. Pano com que outrora se limpava o suor; 2. Véu com que, na Antiguidade, se cobria a cabeça dos mortos; 3. Espécie de lençol para envolver cadáveres; mortalha; 4. Tela que representa o rosto ensangüentado de Cristo. Ora, uma dessas definições equivale exatamente a que encontramos constante do Evangelho pela narrativa de João, ou seja, pano que, na Antiguidade, se cobria a cabeça dos mortos.
Assim, podemos concluir que sudário era, na verdade, uma peça de pano (lençol de linho) que cobria apenas a cabeça do morto. Então como o Sudário, atribuído a Jesus, possui todas as características de ter sido envolvido todo o corpo (frente e verso), em desacordo com o costume daquela época? E mais, será que enterravam seus mortos sem lhes fazer nenhum tipo de asseio? No caso de Jesus, não se lavou o seu corpo antes de enterrá-lo? Se o corpo foi embalsamado, com mirra e aloés, para o sepultamento, obviamente deve ter sido lavado, então como explicar as manchas de sangue no Sudário, na hipótese de ser ele verdadeiro?
Por outro lado, ainda nessa mesma hipótese, como explicar, diante da cultura daquela época, que ele tenha sido intencionalmente guardado de modo a chegar até os nossos dias? Ora, “as mortalhas eram consideradas ritualmente impuras pelos judeus, não havia motivo, portanto, para que os discípulos as recolhessem”, (MELO, 1997) .Com certeza ficar impuro era o que um judeu não queria de jeito nenhum, pois significava ser contrário aos preceitos religiosos. A Lei mosaica considerava impuro todo aquele que viesse a tocar em cadáver humano, em ossos e em sepultura, etc. Assim, é muito pouco provável que, diante do rigor religioso daquela época, alguém se atrevesse a entrar no túmulo, onde Jesus estivera sepultado, para pegar sua mortalha, a fim de guardá-la como um importante objeto de recordação.
Talvez nos dias de hoje, algumas pessoas poderiam até aceitar isso como uma coisa normal, principalmente diante do fato de que determinadas pessoas ainda possuem o costume religioso de usar relíquias. A história registra, para vergonha de todos nós, que há tempos atrás ocorreu a venda indiscriminada delas, como se fossem uma mercadoria qualquer, deixaram de lado a sua significação religiosa.
Ficam aí as nossas perguntas, aguardando uma resposta plausível dos teólogos, não dos fanatizados por sua religião, mas dos que buscam a verdade, onde quer que ela se encontre, mesmo que com isso tenham que mudar conceitos ou dogmas estabelecidos.
Abril/2003.
Bibliografia:
A Bíblia Anotada, Mundo Cristão, São Paulo, 1999.
Bíblia de Jerusalém, Paulus, São Paulo, 2002.
Programa Fantástico de 15/set/2002, Rede Globo de Televisão.
Reencontro Cristão: Reflexões para o Cristianismo do Terceiro Milênio, Fernando Guedes de Melo, OM, DP&A Editora, Rio de Janeiro,1997.
Revista Galileu, nº 141, Abril/2003, Ed. Globo.
Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, STVBT, Cesário Lange, SO, 1986.
(Publicado no “Jornal Espírita”, FEESP, maio de 2004, nº 345, pág. 11).
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