QUANTAS VEZES PERDOAREI MEU IRMÃO? UM DILEMA ENTRE A TOLERÂNCIA E A VINGANÇA
Como não resistir, como fazer ainda mais do que nos exigem os que nos ofendem? O que entendemos por perdoar? Como perdoar sem permitir que o mal nos envolva, sem nos deixar ficar sob as instâncias daqueles que nos magoam, que nos prejudicam ou nos ferem? Essas questões são instigantes. Todavia, o bom senso nos impõe a seguinte dedução: precisamos compreender e desculpar, ilimitadamente, porque todos nós necessitamos de compreensão e desculpa nas horas do desacerto, mas urge que analisemos os fatos para que os diques da tolerância não se rompam, corroídos pela displicência sistemática, patrocinando a desordem.
Diferentemente do ensino do Cristo, parece fazer parte do mecanismo instintivo de defesa dos seres humanos revidar tapas a um agressor. Neste sentido, segundo alguns, dar a outra face é uma atitude de eficácia duvidosa, contrariando o que Jesus pregou há mais de dois mil anos. Segundo opiniões de pesquisadores mais centrados no materialismo, as religiões, antes de Cristo, não apenas amparavam como, também, incentivavam a vingança desproporcional ao agravo. Os Velhos Textos estão repletos de passagens do tipo "olho por olho", dizem esses estudiosos. Argumentam, ainda, que, como instituição, a religião é má conselheira no assunto tolerância. As guerras religiosas sempre foram, e ainda são as mais inexplicáveis, as mais duradouras e as mais cruéis da história humana.
Por que
carregamos em nossa intimidade o rancor e o pendor à vingança? Isto pode
ser atribuído a perturbações mentais ou morais, a pais ausentes na
infância, a questões culturais. Para Jeffrie Murphy "a cultura é um
fator determinante na freqüência com que os desejos de retaliação se
manifestam numa sociedade." Murphy afirma, ainda, (pasmem!) que a Pátria
do Evangelho "aparece em terceiro lugar nas estatísticas entre as
nações nas quais o sentimento de vingança é mais acentuado, atrás da
Bielo-Rússia e da Bélgica". (2) Para alguns estudiosos, o desejo de
vingança é uma parte perfeitamente normal da natureza humana e sua
supressão pode ser, apenas, um daqueles recalques que a vida moderna em
sociedade nos incute. Há quem descubra qualidades no ressentimento.
Jeffrie sugere três (acreditem!): auto-respeito, autodefesa e respeito
pela ordem moral. "A pessoa que nunca se ressente, seja de qual for a
ofensa, pode ser um santo.
A vingança será sempre uma atitude insensata e inútil, até porque, nenhum benefício trará ao nosso progresso, e uma vez consumada, terá satisfeito, apenas, à nossa inconformação diante dos desconhecidos motivos do nosso infortúnio.
O convívio com criaturas e sistemas imperfeitos, capazes de nos infligir os mais variados constrangimentos, cerceamentos, limitações, vicissitudes e agressões, constitui o objetivo moral da reencarnação, de modo que disciplinemos, em definitivo, as idéias superiores da vida e as incorporemos ao acervo dos valores que já edificamos no espírito. Nesse sentido, "o perdão é superação do sentimento perturbador do desforço, das figuras de vingança e de ódio, através da perfeita integração em si mesmo, sem deixar-se ferir pelas ocorrências afligentes dos relacionamentos interpessoais". (5) E, mais ainda, pesquisas indicam que o ato de perdoar pode aplacar a tensão, reduzir a pressão sangüínea e diminuir a taxa de batimentos cardíacos. Portanto, é uma questão de saúde. O perdão passou a ser investigado pela medicina. Os vários estudos em andamento seguem a tendência de analisar a influência das emoções na saúde. Perdoar, imagina-se, livra o corpo de substâncias que só fazem mal. Essa tese faz parte do livro O poder do perdão de Luskin.(6)
A intolerância quase sempre dá lugar à agressividade. As decisões emocionais rebentam rápidas como torrentes. Sem a participação do bom senso, são capazes de danificar a harmonia de muita gente. Se nos examinarmos bem, chegamos à conclusão de que sempre poderemos ser mais tolerantes do que temos sido, habitualmente. Porém, há coisas que socialmente são intoleráveis, como a violação dos direitos humanos ou a destruição do planeta, a pedofilia, a corrupção, etc. Muitos "tolerantes" tíbios, eivados de preguiça e inconsciência, mantêm atitude de quem não está "para se chatear", porque isso dá trabalho e, às vezes, até, exige alguma abnegação, mas, isso é covardia! Tolerância não é indiferença, nem conivência, nem timidez. Pelo contrário, a tolerância pressupõe entendimento superior, sem orgulho ou vaidade; assenta-se na coragem esclarecida para beneficiamento de todos, inclusive dos adversários.
Um método corajoso de perdão foi colocado em prática por Mahatma Gandhi, o Satyagraha (7), isto é, conquistar o adversário, chamando, para si, o sofrimento, objetivando despertar a consciência moral daquele que se quer convencer de que o ato que pratica é impróprio. É um método ousado de perdão, porque implica na tentativa de sensibilizar o agressor no sentido de reverter seu comportamento.
Jesus aconselhou amar os nossos inimigos no enfoque de não devolver com a mesma moeda aquilo que nos foi desferido. Oferecer, porém, a outra face (a face do bem), pois, assim, cortar-se-iam, pela raiz, os sentimentos de vingança.
Diante das agressões recebidas, o Cristo passava lições grandiosas, como aconteceu com o soldado que O esbofeteou quando estava de mãos amarradas. Sem perder a serenidade habitual, o Cristo olhou-o nos olhos e lhe perguntou: "se eu errei, aponta meu erro, mas se não errei, por que me bates?" (8) Eis, aí, a verdadeira coragem. O Mestre sofreu a ingratidão daqueles os quais havia ajudado, enfrentou o cinismo dos agressores, foi ultrajado, caluniado, cuspiram-Lhe no rosto e O crucificaram, e Ele tomou uma única atitude: a do perdão. (9) Lembrou da importância de não se colocar limite ao ato de perdoar. "Se vosso irmão pecou contra vós, ide e falai-lhe sobre a falta em particular, entre vós e ele. Se vos ouvir, tereis ganhado um irmão." Então, aproximando-se dele, Pedro disse: "Senhor, quantas vezes perdoarei meu irmão quando ele houver pecado contra mim? Será até sete vezes?" Jesus lhe respondeu: "Eu não digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete." (10)
"No Cristianismo encontram-se todas as verdades; são de origem humana os erros que nele se enraizaram". (11) Jesus não quis dizer para deixarmos de reprimir o mal, mas para não pagar o mal com outro mal. Perdão é o pagamento do mal com o Bem... O perdão nivela os homens pelo que neles há de melhor, libertando quem perdoou dos maus sentimentos que o escravizavam a quem o feriu.
Mal por
mal significa o eclipse absoluto da razão. "Por mais aflitiva seja a
lembrança do adversário, recordemo-lo em nossas preces e nas meditações,
por irmão necessitado de nossa assistência fraterna. Ainda não
readquirimos nossa memória integral do passado e nem sabemos o que nos
ocorrerá no futuro". (12) Que seria da Humanidade se não existisse a
paciência e a tolerância do Criador para com as criaturas imperfeitas e
rebeldes que somos? Perdoar é um ato inteligente, que nos liberta de
outras ansiedades e perturbações que nem precisamos enfrentar.
Então!...Para quê guardar mágoa?
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