Desencarne coletivo - por Douglas Fersan
Fica muito difícil compreender situações em que ocorrem o desencarne
coletivo. Como justificar uma tragédia onde tantas vidas são ceifadas e
tantas famílias sofrem se cremos em um Deus piedoso e pleno de amor?
Como espiritualistas não podemos esquecer é que todos temos débitos
pretéritos e seu resgate não constitui necessariamente um castigo, mas
sim uma oportunidade, um ensinamento para o nosso bem maior. Mas até que
ponto podemos (ou devemos) justificar tudo como resgate? Obviamente é
muito difícil em situações de comoção nacional, diante de uma tragédia,
digerir essa forma de ver as coisas de maneira abnegada. É
compreensível a dor e até revolta dos que ficam, pois não reivindicamos a
perfeição moral e espiritual, mas devemos ao menos nos espelhar nela,
sem esquecer as fragilidades humanas. Em outras palavras, para quem
olha de fora a tragédia, é fácil falar em abnegação, mas até o mais
espiritualizado dos homens chora a dor de perder um ente querido em uma
situação como a ocorrida em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. E ele
tem direito a se revoltar, a ser humano e até imperfeito, caso contrário
não estaria nessa Terra.
Alguns dirão que não cai uma folha de uma árvore sem que Deus queira.
Eu respondo que acho tal frase extremamente dogmática e que foge à fé
racional que tanto se apregoa. Já espero que venha o apedrejamento, mas
prefiro ele à fé cega e à faca amolada.
Desencarnes coletivos acontecem periodicamente. Não há muito tempo
houve um tsunami, depois o terremoto no Haiti, além de outros fatos de
menor repercussão, mas igualmente carregados de sofrimento, tanto pela
forma como essas mortes ocorreram, mas também pela dor do que ficaram a
chorar a perda dos que tanto amavam. Apesar de respeitar profundamente
as diferentes crenças, inclusive aqueles que buscam justificar essas
situações em acontecimentos de vidas passadas, não acredito que seja o
momento de cogitar as razões para isso. Li em algum lugar que,
coincidentemente, a tragédia em Santa Maria – RS aconteceu justamente no
dia em que se fazia um movimento em memória às vítimas do holocausto.
Particularmente achei de mau gosto a insinuação. Não acho que se trata
do momento de julgar se as vítimas foram culpadas no passado. Todos
somos culpados, mas também somos todos inocentes, depende do prisma que
se observa, e maniqueísmos servem apenas para limitar a nossa visão das
coisas.
Acredito num Deus pleno de amor e afeto pelos seus filhos e com
razões que nossa compreensão (ou falta dela) seja tão minúscula que não
nos permita entender determinadas situações - paremos um pouco de culpar
Deus e ao passado pelo sofrimento de hoje. Mas também acredito que a
mão do homem, sua irresponsabilidade calcada no livre arbítrio também dê
rumo às coisas. E a fatalidade, seria algo completamente irreal? Será
que tudo se justifica no karma? Então como surgiu o primeiro pecador,
se ele não tinha karma a resgatar? Não seria muito comodismo de nossa
parte justificar todos os males do mundo com a teoria do resgate de
erros pregressos?
Não pretendo refutar essa teoria, mas também não quero usá-la para
justificar tudo. Especialmente não quero usá-la em momento inadequado
para levantar hipóteses que venham a desrespeitar a memória dos que se
foram e a dor dos que ficaram e sofrem. Não nos cabe julgar. Se o
conceito de que todos carregamos culpas é correto, no momento nos cabe
apenas prestar solidariedade sincera, pois talvez essa seja uma maneira
de progredirmos enquanto seres espirituais. Vamos pedir aos espíritos
consoladores que façam a sua parte de amparar os que se foram e também
às famílias que hoje choram. Deixemos as hipóteses para quem tem tempo e
imaginação para elas e os julgamentos para quem tem competência para
isso. Resignemo-nos e façamos a nossa parte, que aliás fazemos muito
porcamente.
Douglas Fersan - 28/01/2013
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