"O UMBRAL"
"O Umbral começa na crosta
terrestre. É a zona obscura de quantos no mundo não se resolveram a atravessar
as portas dos deveres sagrados, a fim de cumpri-los, demorando-se no vale da
indecisão ou no pântano dos erros numerosos."
Narra André Luiz: "Após receber
tão valiosas elucidações, aguçava-me o desejo de intensificar a aquisição de
conhecimentos relativos a diversos problemas que a palavra de Lísias sugeria. As
referências a espíritos do Umbral mordiam-me a curiosidade. A ausência de
preparação religiosa, no mundo, dá motivo a dolorosas perturbações. Que seria o
Umbral? Conhecia, apenas, a idéia do inferno e do purgatório, através dos
sermões ouvidos nas cerimônias católico-romanas a que assistira, obedecendo a
preceitos protocolares. Desse Umbral, porém, nunca tivera notícias.
Ao primeiro encontro com o
generoso visitador, minhas perguntas não se fizeram esperar. Lísias ouviu-me,
atencioso, e replicou:
- Ora, ora, pois você andou
detido por lá tanto tempo e não conhece a região?
Recordei os sofrimentos
passados, experimentando arrepios de horror.
- O Umbral - continuou ele,
solícito - começa na crosta terrestre. É a zona obscura de quantos no mundo não
se resolveram a atravessar as portas dos deveres sagrados, a fim de cumpri-los,
demorando-se no vale da indecisão ou no pântano dos erros numerosos. Quando o
espírito reencarna, promete cumprir o programa de serviços do Pai; entretanto,
ao recapitular experiências no planeta, é muito difícil fazê-lo, para só
procurar o que lhe satisfaça ao egoísmo. Assim é que mantidos são o mesmo ódio
aos adversários e a mesma paixão pelos amigos. Mas, nem o ódio é justiça, nem a
paixão é amor. Tudo o que excede, sem aproveitamento, prejudica a economia da
vida. Pois bem: todas as multidões de desequilibrados permanecem nas regiões
nevoentas, que se seguem aos fluidos carnais. O dever cumprido é uma porta que
atravessamos no Infinito, rumo ao continente sagrado da união com o Senhor. É
natural, portanto, que o homem esquivo à obrigação justa, tenha essa bênção
indefinidamente adiada.
Notando-me a dificuldade para
apreender todo o conteúdo do ensinamento, com vistas à minha quase total
ignorância dos princípios espirituais, Lísias procurou tornar a lição mais
clara:
- Imagine que cada um de nós,
renascendo no planeta, somos portadores de um fato sujo, para lavar no tanque da
vida humana. Essa roupa imunda é o corpo causal, tecido por nossas mãos, nas
experiências anteriores. Compartilhando, de novo, as bênçãos da oportunidade
terrestre, esquecemos, porém, o objetivo essencial, e, ao invés de nos
purificarmos pelo esforço da lavagem, manchamo-nos ainda mais, contraindo novos
laços e encarcerando-nos a nós mesmos em verdadeira escravidão. Ora, se ao
voltarmos ao mundo procurávamos um meio de fugir à sujidade, pelo desacordo de
nossa situação com o meio elevado, como regressar a esse mesmo ambiente
luminoso, em piores condições? O Umbral funciona, portanto, como região
destinada a esgotamento de resíduos mentais; uma espécie de zona purgatorial
onde se queima a prestações o material deteriorado das ilusões que a criatura
adquiriu por atacado, menosprezando o sublime ensejo de uma existência
terrena.
A imagem não podia ser mais
clara, mais convincente. Não havia como disfarçar minha justa admiração.
Compreendendo o efeito benéfico que me traziam aqueles esclarecimentos, Lísias
continuou:
- O Umbral é região de profundo
interesse para quem esteja na Terra. Concentra-se, aí, tudo o que não tem
finalidade para a vida superior. E note você que a Providência Divina agiu
sabiamente, permitindo se criasse tal departamento em torno do planeta. Há
legiões compactas de almas irresolutas e ignorantes, que não são suficientemente
perversas para serem enviadas a colônias de reparação mais dolorosa, nem
bastante nobres para serem conduzidas a planos de elevação. Representam fileiras
de habitantes do Umbral, companheiros imediatos dos homens encarnados, separados
deles apenas por leis vibratórias. Não é de estranhar, portanto, que semelhantes
lugares se caracterizem por grandes perturbações. Lá vivem, agrupam-se, os
revoltados de toda espécie. Formam, igualmente, núcleos invisíveis de notável
poder, pela concentração das tendências e desejos gerais. Muita gente da Terra
não recorda que se desespera quando o carteiro não vem, quando o comboio não
aparece? Pois o Umbral está repleto de desesperados. Por não encontrarem o
Senhor à disposição dos seus caprichos, após a morte do corpo físico, e,
sentindo que a coroa da vida eterna é a glória intransferível dos que trabalham
com o Pai, essas criaturas se revelam e demoram em mesquinhas edificações.
"Nosso Lar" tem uma sociedade espiritual, mas esses núcleos possuem infelizes,
malfeitores e vagabundos de várias categorias. É zona de verdugos e vítimas, de
exploradores e explorados.
Valendo-me da pausa,
que se fizera espontânea, exclamei, impressionado:
- Como explicar? Então não há
por lá defesa, organização?
Sorriu o interlocutor,
esclarecendo:
- Organização é atributo dos
espíritos organizados. Que quer você? A zona inferior a que nos referimos é qual
a casa onde não há pão: todos gritam e ninguém tem razão. O viajante distraído
perde o comboio, o agricultor que não semeou não pode colher. Uma certeza,
porém, posso dar-lhe: - não obstante as sombras e angústias do Umbral, nunca
faltou lá a proteção divina. Cada espírito lá permanece o tempo que se faça
necessário. Para isso, meu amigo, permitiu o Senhor se erigissem muitas colônias
como esta, consagradas ao trabalho e ao socorro espiritual.
- Creio, então -
observei -, que essa esfera se mistura quase com a esfera dos homens.
- Sim - confirmou o dedicado
amigo -, e é nessa zona que se estendem os fios invisíveis que ligam as mentes
humanas entre si. O plano está repleto de desencarnados e de formas-pensamento
dos encarnados, porque, em verdade, todo espírito, esteja onde estiver, é um
núcleo irradiante de forças que criam, transformam ou destroem, exteriorizadas
em vibrações que a ciência terrestre presentemente não pode compreender. Quem
pensa, está fazendo alguma coisa alhures. E é pelo pensamento que os homens
encontram no Umbral os companheiros que afinam com as tendências de cada um.
Toda alma é um ímã poderoso. Há uma extensa humanidade invisível, que se segue à
humanidade visível. As missões mais laboriosas do Ministério do Auxílio são
constituídas por abnegados servidores, no Umbral, porque se a tarefa dos
bombeiros nas grandes cidades terrenas é difícil, pelas labaredas e ondas de
fumo que os defrontam, os missionários do Umbral encontram fluidos pesadíssimos
emitidos, sem cessar, por milhares de mentes desequilibradas, na prática do mal,
ou terrivelmente flageladas nos sofrimentos retificadores. É necessário muita
coragem e muita renúncia para ajudar a quem nada compreende do auxílio que se
lhe oferece.
Interrompera-se Lísias.
Sumamente impressionado, exclamei:
- Ah! como desejo trabalhar
junto dessas legiões de infelizes, levando-lhes o pão espiritual do
esclarecimento!
O enfermeiro amigo fixou-me
bondosamente, e, depois de meditar em silêncio, por largos instantes, acentuou,
ao despedir-se:
- Será que você se sente com o
preparo indispensável a semelhante serviço?"
(Nosso Lar, cap. 12, André
Luiz/Chico Xavier.
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